Mostrando postagens com marcador Confeitaria Colombo. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Confeitaria Colombo. Mostrar todas as postagens

NO RIO LITERÁRIO DE ANTIGAMENTE, de Cyro de Mattos

Fotos da Confeitaria Colombo, ponto de encontro de poetas e intelectuais no início do século passado


No fim do século XIX e início do XX, época sincrética de nossas letras, graças à distensão do Parnasianismo, surgimento do Simbolismo e introdução do Impressionismo, a imagem reinante no estado de espírito de diversos intelectuais no Rio de Janeiro era a da fragilidade. Nossos escritores viviam travestidos em positivos exilados europeus. Vivia-se com o sonho de Paris, o pensamento na Europa, nenhum era chamado verdadeiramente de culto se não falasse em Ájax, Heitor e no cerco de Tróia. Éramos criaturas helênicas, tanto na prosa como no verso. De monóculo e fraque bebia-se chope e cachaça na parisiense Rua do Ouvidor. A paisagem cultivada nos jardins imitava o modelo europeu, desvinculada da natureza tropical e virgem, que traduz luta e esforço desordenado.


Aparecia para privilegiar o cenário urbano do fútil um tipo de escritor que chegou a fazer a fama de algumas confeitarias. Era o escritor boêmio que, numa pontualidade burocrática, comparecia às confeitarias, bares e cafés, para contar anedotas, piadas, esbanjar o talento na dispersão do álcool. Paula Ney nada deixou para ser feito um levantamento importante de sua vida. Conforme Luiz Edmundo, em O Rio de Janeiro do Meu Tempo, Emílio de Menezes cultivava o gosto de deixar axiomas para consolidar a fama de intrépido bebedor por onde passava. Um deles correu na época e até hoje não se perdeu de todo: “Beber, às vezes, é uma necessidade; saber beber, uma ciência; embriagar-se, uma infâmia.


Pardal Mallet, Olavo Bilac, Artur Azevedo, Raul Pompéia e Guimarães Passos, entre outros, lá estavam com outros intelectuais enxameando as confeitarias, bares e cafés, falando de nossas coisas como astros distraídos, discutindo problemas políticos e literários sem um ideal superior de nacionalidade que a todos congregue e irmane. Desdenhava-se o que era pátrio e nosso. A literatura para alguns era fazer a arte pela arte, para outros não passava de puro diletantismo, como se fosse o sorriso da sociedade. Em Coelho Neto, símbolo do poder verbal na época, expressava-se com artifícios, adorno e sonoridade das palavras no lugar da idéia como aferição substantivada de nossas realidades. O autor de A Capital Federal rendia-se aos caprichos formais sem função na escrita literária.


Apesar de a vida ser falseada, processada por caminhos vindos de fora, num clima alimentado pelo espírito da “belle époque”, quando era necessário ver o Brasil literário dentro do ponto de vista do Brasil, o incremento de nossa realidade no magma nacional assinalava alguns escritores que já se preocupavam com nossas coisas e gentes. Percebiam até certo ponto que nossa civilização diferente era formada por elementos estabelecidos aqui nos trópicos. Lima Barreto, Monteiro Lobato e Euclides da Cunha apareciam para interromper a opereta repetitiva que incorporava a vida nossa no caldo do ócio e do inútil.


No ambiente cultural postiço acrescido de alexandrinos exatos, com cesura e tudo, irrompia a estética da sinceridade formulada por Lima Barreto, escritor de inegáveis qualidades literárias, reconhecido muito depois como o verdadeiro iniciador de nosso romance social. O autor de Triste Fim de Policarpo Quaresma queria ter o direito de ser ouvido aos descuidados por meio de uma literatura atuante, imbricada em nossa realidade, sem ser contemplativa, mas de motivação autóctone. Rebelando-se contra a postura de nossos intelectuais, marcada pela futilidade das tertúlias e saraus, desejava uma literatura que falasse de nossas verdades, não aquela outra a encontrar belezas em deuses para sempre mortos, manequins atualmente, pois a alma que os animava havia se esfumado com a morte dos que a adotavam.


Lima Barreto foi buscar a matéria para a recriação literária da vida urbana carioca no meio de uma gente que pertencia “a uma alta sociedade muito especial, que só é alta nos subúrbios”, onde possuía o hábito natural de se alimentar com muito ensopado, muito feijão e muita carne-seca. Seresteiros, violeiros, funcionários públicos aposentados, mulatos, todos eles desfilam com o seu peculiar modo de vida na galeria dos romances e histórias escritos por Lima Barreto, mulato de vida infeliz e desgraçada, desajustado no meio social que vivia. A nota social está sempre presente em seus artigos e crônicas, contos e romances, as relações de raça com suas opressões e desigualdades sociais, marcas ainda abertas vindas de uma preconceituosa sociedade escravocrata.

Outros ventos prenunciavam tempos novos. Cumprida a sua missão histórica, o parnasianismo e o simbolismo estavam gastos. A Musa Perfeita de Bilac e a Musa Mística de Alphonsus de Guimarães empalideciam, retirando-se do cenário. O século vinte sob novos signos daria condições absolutamente inéditas ao mundo. Provocaria transformações radicais na Europa com a revolução industrial. A busca das nações produtivas empenhadas primeiro no domínio dos mercados iria alcançar posteriormente o mundo inteiro. O desenvolvimento armamentista entrava em estado febril. O mundo seria envolvido por duas guerras mundiais, que trariam efeitos nefastos à humanidade. Uma nova época social, política e econômica surgiria apoiada nos princípios liberais do capitalismo. O comunismo, privilegiando as classes operárias no leste europeu, pretendia ampliar o eixo de atuação com o ideal do aproveitamento de uma vida justa e igual para todos.



Uma revolução tecnológica aperfeiçoava as máquinas de combustão, a utilização da eletricidade nas indústrias fomentava o progresso. Em Portugal, Fernando Pessoa, pela voz incandescida e mente turbulenta de Álvaro de Campos, cantaria em “Ode Triunfal” a nova “revelação metálica e dinâmica de Deus.” Sob o signo da técnica, os meios de transportes avançavam, e o Brasil procurava beneficiar-se dos meios e recursos que a mecânica proporcionava ao bem-estar da vida. Em suma, novos ventos sopravam o progresso, a modernidade e a afirmação da nacionalidade. E uma nova época esperava também uma arte nova, que exprimisse a saga desses tempos e do futuro.

O descobrimento de um Brasil novo iria ser feito pelos intelectuais da Semana Moderna de 22, em São Paulo, capitaneados por Mário de Andrade, constituindo-se o evento no maior escândalo que um movimento artístico poderia causar entre nós.



Saiba tudo sobre a Confeitaria Colombo (endereço, menu, horário etc.) visitando o site da confeitaria (clique). Para ver uma exibição de slides com estas e outras fotos da Colombo tiradas pelo editor do blog, clique aqui.