INVOCAR DEUS EM BIRKENAU, À SOMBRA DAS CHAMINÉS


Ateísmo está na moda. A religião está cheia de defeitos. Fanáticos disseminam o terror em nome de Deus/Alá. A história da religião é uma sucessão de atrocidades: Inquisição, caça às bruxas, queima de hereges, censura ao livre pensamento (Galileu, Giordano Bruno), guerras religiosas (Cruzadas, católicos versus protestantes), conversões forçadas dos povos pagãos. Sem falar nos escândalos sexuais no seio da religião católica. Mas o ateísmo não se saiu melhor, como mostram o período do Terror na Revolução Francesa e as ditaduras stalinista, maoísta e de Pol Pot nos regimes comunistas ateus.

O sobrevivente do Holocausto Elie Wiesel, em seu livro Sinais do Êxodo, faz uma observação interessante sobre a conduta dos judeus religiosos versus seculares nos campos de extermínio. Enquanto entre os seculares "amigos e irmãos dilaceravam-se entre si por uma colherada de sopa, um instante de prazo, um casaco mais grosso" e intelectuais liberais revelavam-se uns sádicos atuando como Kapos (colaboracionistas), entre os ortodoxos a conduta era impecável, conforme revela este texto extraído do livro:

Mas os homens de convicção religiosa, os sacerdotes resistentes, souberam se manter à altura: nenhum aceitou colaborar, a fim de salvar sua pele. E isto é igualmente, e ainda mais, verdadeiro para os rabinos: nenhum, repito, nenhum consentiu em aceitar o pouco de poder a ele oferecido para viver ou viver melhor, e por mais tempo  às custas de seus companheiros, de seus irmãos de infortúnio. Pelo contrário, deram provas de uma abnegação que deixou os assassinos perplexos e, num certo sentido, estupefatos. Quanto aos hassidim, ergueram-se mais alto do que os céus por seu espírito de fé e solidariedade: suas preces comuns nos dias de ano novo, sua decisão de celebrar com alegria a festa da Lei. E tudo isto teve lugar em locais onde, querendo desumanizar suas vítimas, o assassino conseguia desumanizar a si mesmo... Ainda hoje, minha razão vacila; ela não consegue alcançar o sentido oculto, a verdade brutal daquilo que vi: de um lado uma humanidade tão pura, do outro uma humanidade tão baixa, como era possível? Invocar Deus em Birkenau, à sombra das chaminés, como era possível? Como podíamos invocar Deus sobre as ruínas de Sua criação? vocês leram certo: com alegria.

Um comentário:

Anônimo disse...

Extraordinário