GRANDES E PEQUENAS MARAVILHAS, de Ivo Korytowski


Existem grandes maravilhas: comer mancheias de caviar ao som de balalaicas às margens do Mar Cáspio. Mas existem pequenas maravilhas também: entrar na primeira padaria que surgir pela frente e escolher a dedo aquele pão doce cheio de creme pra sair comendo pela rua, ou o croissant (ou pão de provolone) pra saborear em casa, camada de manteiga com sal e geléia de morango — ou prefere damasco?

Existem grandes maravilhas: excursão de degustação pelos vinhedos de Borgonha. Mas existem pequenas maravilhas também: entrar em botequim qualquer e saborear aquela latinha de Bohêmia, ouvindo todo o papo furado daquele pessoal que parece não ter horário nem compromisso como você.

Existem grandes maravilhas: assistir à peça de Shakespeare em Stratford-upon-Avon. Mas existem pequenas maravilhas também: ver capítulo de novela qualquer na televisão. Não acompanhar compulsivamente toda e qualquer novela, dia após dia, mas ver um capítulo aleatoriamente, sem saber muito bem a história. Na novela, é como se as revoluções estéticas do século XX jamais tivessem ocorrido. Sua lógica, totalmente romântica, folhetinesca, rocambolesca: incríveis coincidências, amores impossíveis, expectativas dilacerantes — culminando no final feliz! E os diálogos? Os diálogos, de tão naturais, até parecem reais — a gente não se dá conta de que um autor, um escritor, um roteirista escreveu aqueles diálogos.

Existem grandes maravilhas: ouvir a Filarmônica de Berlim, com toda a pompa e circunstância, em seu país natal. Mas existem pequenas maravilhas também: ouvir o CD favorito no momento — que pode ser aquele trio de Schubert, o álbum do ERA ou o velho disco de boleros remasterizado — à meia-luz, balançando na rede, incenso indiano queimando.

Existem grandes maravilhas: ganhar pendentif de ouro do namorado. Mas existem pequenas maravilhas também: beijoca estalada na orelhinha! Existe coisa melhor?

Existem grandes maravilhas: ir a Roma e ver o papa. Mas existem pequenas maravilhas também: subir a Santa Teresa, Rio de Janeiro, e ver o puja no templo budista.

Existem grandes e pequenas maravilhas. E dado que os extremos se tocam, as pequenas acabam se revelando tão prazerosas quanto as grandes. Pensando bem, as pequenas saem ganhando: afinal, poupam-nos de estafantes deslocamentos, do aperto de lata de sardinhas e turbulências dos aviões, das intermináveis prestações pós-viagem...

Afinal, não é a toa que reza o ditado: boa romaria faz quem em casa fica em paz.


Do livro Édipo. O meu livro - ótimo presente de fim de ano para quem curte uma boa leitura - foi lançado em 2004 e não está mais nas livrarias, mas está à venda em várias livrarias virtuais - pesquise no Buscapé (clique) onde está mais barato. Garanto que vai gostar. Sobre o livro, disse Antonio Carlos Villaça: "Édipo nos revela um grande contista. Um dos melhores contistas do Brasil de hoje. O livro nos mostra a perfeição de um estilo, argúcia da observação, análise implacável, minuciosa, leve. É um contista fluente, ágil, malicioso. Tão humano! O irmão de Marques Rebelo."
PS. Embora eu quase não saia do Rio e deteste voar, decorridos alguns anos sinto uma vontade irresistível de visitar a Europa - veja neste blog minhas postagens sobre algumas viagens.

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