Havia sido aprovado no concurso do Conservatório Nacional de Música. Sonhara muito tempo com isso. Desejara começar a exercer a carreira de violinista na Alemanha, onde certamente desenvolveria seus pendores musicais com o instrumento que mais apreciava, melhor dizendo amava. Era um país perfeito. Culto, de grandes artistas. Dera ao mundo homens como Bach, Mozart, Beethoven, Haendel, Goethe, Hesse, Thomas Mann, Rilke, Kant, Hegel.
Quando o avião aterrissou em solo alemão, sentiu pulsações boas no coração sonhador com o bem, a perfeição na vida. No entanto, sensações expectantes de que iria aprender muito com o mundo civilizado da Alemanha tiveram a primeira cena decepcionante quando viu no jardim a tabuleta avisando que ali estavam proibidas de brincar crianças não arianas. No aeroporto viu o aviso na parede proibindo que judeus saíssem da Alemanha.
No dia seguinte viu na rua um judeu de rosto apatetado, desfilando com o cartaz de papelão pendurado no pescoço. O cartaz dizia: SOU UM RATO SUJO. Jamais ia imaginar que encontraria cenas piores do que aquela contra o povo judeu. Naqueles idos de 1938, a Alemanha nazista agia como um povo selvagem, que vomitava ódio contra os judeus. Havia uma vontade inconcebível para espancar, humilhar, usurpar os bens conquistados por um povo com inteligência e trabalho.
Encontrou um grupo de jovens soldados nazistas querendo estuprar uma moça judia brasileira em plena luz do dia. Empurravam, davam tapas no seu rosto enquanto soltavam gargalhadas histéricas e tentavam espremê-la contra a parede. Interferiu. Falou alto: “Parem com isso! Não admito tamanha covardia! Vou denunciar o caso ao Consulado do Brasil!” O grupo largou a moça contrariado, revoltado com aquele brasileiro querendo defender uma judia, se metendo onde não lhe cabe.
Getúlio Vargas era o presidente do Brasil no Estado Novo. O ditador brasileiro namorava com as ideias nazistas de Hitler. Determinou que os diplomatas brasileiros não se metessem com os problemas internos da Alemanha. Não queria complicações. Reduzira o visto em passaportes de judeus que queriam sair da Alemanha e vir para o Brasil.
O mal prenunciava que o mundo estava prestes a ser abalado com a Segunda Guerra Mundial. Hitler estava mandando judeus de volta para a Polônia. Sua raiva cresceu, alardeava que iria invadir a Polônia, os judeus estavam roubando a Alemanha, eram os donos do comércio, das fábricas e estaleiros. Seu império com bases na inutilidade do sentimento do amor estava prestes a ser instalado, a fera ressurgia da caverna para banir a pomba na légua, destruir a relva, só queria a selva.
Estarreceu o mundo a Noite do Cristal quando lojas de judeus foram quebradas, os donos espancados, numa fúria do horror sem precedente. Sinagogas foram queimadas, a ordem era reduzir a cinzas os estabelecimentos comerciais, tudo o que fosse encontrado pela frente e que havia sido adquirido pelos judeus com esforço nos dias.
Não era justo o que vinha assistindo, a selvageria descontrolada assassinar a razão. Não se conformava com o que os olhos viam a todo momento quando saía na rua. Homens separados das mulheres, pais dos filhos, irmão do irmão. Eram levados para os campos de concentração como uma carga imprestável. Sujos, vestidos numa roupa fina para enfrentar o forte frio. Tossiam, o rosto ossudo, a pele amarelada. As marcas do desprezo e abandono nos olhos tristes, apagados de qualquer vestígio de luz. Entravam nos caminhões empurrados pelo cano do fuzil, os olhos já não tinham a lágrima, a inocência não tinha qualquer possibilidade para contradizer uma condenação sem sentido.
As noites mal dormidas, o pesadelo tomara conta dos sonhos alimentados no Brasil sob a expectativa de viver em paz com um mundo justo e civilizado. Até quando iria suportar conviver com uma raça que se dizia superiora, sustentada em sua natureza ariana com as botas de ferro de soldados impassíveis?
Depois que teve navios bombardeados na costa por submarinos alemães, o Brasil rompera as relações com a Alemanha nazista. Passou para o lado dos aliados, que tinham declarado guerra ao ditador de bigodinho nervoso, o que comandava passadas de ódio na matança de milhões indefesos por manadas desenfreadas.
No retorno, assim que desembarcou do avião, ao deixar a escada, a primeira coisa que fez foi se abaixar e dar um beijo no solo da pátria querida e saudosa.
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